quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Demokratura

Sim, esse blog voltou à ativa. Ele tava assim meio morto, tipo um monstro Frankenstein. E eu como seu criador, me considero uma espécie de Victor Frankenstein, responsável por sua vida.

Mas o que me motiva a voltar ao blog é a criatura de um outro Victor, ou melhor, Viktor. Esse é o nome do primeiro ministro húngaro, Órbán Viktor e a tal criatura dele é uma nova constituição já implementada na Hungria. Em poucas palavras, a nova constituição abre um dispositivo legal pra instauração de uma ditadura no país.

Esse golpe constitucional foi dado para que o partido do governo, o Fidesz, possa se perpetuar no poder. As eleições foram mudadas de forma que o Fidesz continue com maioria parlamentar (em uma simulação sob os novos termos, o governo ganharia as 2 eleições que perdeu alguns anos atrças). Mesmo que um partido adversário ganhe uma eleição, há um dispositivo legal no qual se esse governo nao conseguir aprovar o orçamento até certa data, novas eleições terão que ser convocadas. E com a maioria do congresso nas mãos, o atual governo conseguirá fazer esse prazo ser passado se quiser.


De acordo com as novas leis, o governo pode nomear e rearranjar os juízes ao seu bel prazer. Isso fez com que mesmo o presidente do Supremo fosse aposentado compulsoriamente de forma arbitrária e outros, alinhados ao partido, fossem nomeados. Em um país em que somente 21% das pessoas se diz religiosa, o governo adotou uma doutrina cristã como política oficial do Estado. Haverá também uma espécie de agente governamental que controlará diversas áreas, mídia incluso, o que representará censura.


E, finalmente, torna tudo relacionado ao comunismo ilegal, inclusive o Partido Socialista, que poderá passar a ser considerado criminoso e que é, atualmente, a única força de oposição que ameaça o atual governo. Em protesto, cerca de 70 mil pessoas saíram às ruas de Budapeste numa passeata contra as novas leis no mesmo dia em que a nova constituição entrou em vigor, dia 2 de Janeiro.

Por conta dessas medidas abusivas, a Hungria vem sofrendo uma grande pressão política internacional, sobretudo da União Européia, da qual faz parte. Isso ocorre num momento delicado para a economia húngara, fragilizada a beira do colapso e necessitada do socorro do FMI. No entanto, as negociações com o fundo estão paralisadas, tanto por conta dos problemas econômicos quanto dos políticos. Se não ceder as pressões, Órbán corre o sério risco de ter a Hungria expulsa da UE. Isso, com certeza, não será algo que a sociedade aceitará passivamente como aceitou a mudança da constituição..

Será esse o final da estória?

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

valeu Adilson!

Um dos principais eventos de Budapeste é o Red Bull Air Race. Consiste em uma corrida de aviões de manobra cujo objetivo é fazer o percurso, determinado este por marcações infláveis (ou air gates), no menor tempo possível. Existem etapas em diversas partes do mundo, inclusive no Rio de Janeiro.

O criador do esporte, o piloto Péter Bésenyei (beshenhiei), é húngaro, o que faz com que Budapeste seja o mais tradicional dos circuitos do campeonato mundial, quase uma Mônaco dos aviões. So que, ao invés de assistir a corrida em seu Ferretti ancorado na marina degustando um Dom Pérignon, aqui assiste-se a corrida no meio do povão tomando aquela cerveja barata mesmo. Isso porquê meio milhão de espectadores, ou 1/4 da cidade, vem assistir à corrida todos os anos, fazendo com que as margens do Danúbio fiquem lotadas.

O percurso se dá entre a famosa Ponte das Correntes (Széchenyi híd)e a Ilha Margit, em frente ao Parlamento e ao Buda Castle. E a largada ocorre com os aviões passando por debaixo da ponte, proporcionando imagens espetaculares como a abaixo.

No entanto, todo o campeonato de 2011 foi cancelado graças as peraltices de um brasileiro. Adilson Kindelmann fez o favor de cair com seu avião ano passado na etapa australiana, fazendo a organização rever as normas de segurança da modalidade. Ninguém tinha se perguntado antes o quão (não) seguro era um esporte radical de acrobacias aéreas em metrópoles superpovoadas até esse brasileiro f.d.p. aparecer.

Por isso mesmo, eu amaldiçoo agradeço ao Adilson por ter resguardado não só a minha integridade física, como também dos demais budapestianos em detrimento de um evento fantástico o qual eu jamais esqueceria.

Abaixo, pode-se ver o que eu vou deixar de ver:

Valeu Adilsão!


sábado, 13 de agosto de 2011

Praga vs. Budapeste

Eis uma clássica disputa turística. Qual destas duas cidades é a menina dos olhos da europa oriental?

Quando nós, não-europeus em geral, nos lembramos daquela europa malvada e ex-comedora de criancinha, essas duas cidades vem à mente como referência idílica desse canto do mundo. Assim, a comparação entre as duas é quase que inevitável.

Sempre que encontro alguém que tenha passado por ambas, faço a pergunta ‘’qual das duas você gostou mais?”, em busca de uma confirmação de que a cidade a qual escolhi para viver é a ganhadora dessa contenda. E as respostas que recebo nem sempre me deixam nessa confiante posição. Ainda bem, afinal, toda unanimidade é burra, não é mesmo?!

Com essa coleção de respostas divergentes, decidi fazer a minha própria cabeça nessa questão e fui-me a Praga passar 2 agradáveis dias. Com o conhecimento empírico adquirido, pude compará-las ao meu gosto, cujo resultado segue abaixo. Tentei ser o mais imparcial e crítico possivel, ainda que a acusação a mim de ser bairrista seja plausível e aceita.

Praga é histórica, Budapeste é autêntica.

Praga é certinha, Budapeste é (bastante) imperfeita.

Praga é conservada, Budapeste é um recorte de ruínas.

Praga é clássica, Budapeste é jovem.

Praga tem o Vltava, Budapeste o Danúbio.

Praga é clean, Budapeste é suja mesmo.

Praga é turística, Budapeste é alternativa.

E, concluindo, a mais importante de todas as comparações: Praga é pra se conhecer, Budapeste é pra se viver.

O relógio:


A estátua:


A cidade:

domingo, 3 de julho de 2011

pengő*

*favor não confundir com Pingu, aquele pinguin de massinha simpático do Glub Glub


Como dono deste blog e economista, me dou a liberdade de compartilhar algo que, provavelmente, só vá interessar a essa mal amada classe profissional. No entanto, você querido leitor que não se enquadra nesse grupo e que já teve sua vida ferrada por alguma medida fiscal/monetária restritiva imposta por um de nós também é bem vindo a ler este post, ainda que as informações a seguir terão impacto zero na sua vida.

Então vamos a aula de numismática:

O pengő foi a moeda utilizada na Hungria entre 1927 e 1946. Após a 2a Grande Guerra, em que, pra variar, os húngaros deram com os burros n’água, começou o maior processo (super-mega-giga) hiperinflacionário da história. Em 1946, começaram a circular notas de (respirem fundo) 1.000.000.000.000.000.000 pengő, ou um quintilhao de pengő (não precisa contar, são 18 zeros), como a abaixo:

Para deixar a coisa mais fácil (ou menos catastrófica), eles criaram uma denotação matemática afim de eliminar tantos zeros nas transações corriqueiras, como “milpengő” e “b-pengő” (bilhão de pengő). Isso tambem ajudava na reutilização de notas, cujos valores desatualizavam constante e rapidamente, e permitido a sua reimpressão.

A economia só foi establizada com a adoção do forint adotada a partir de 1946 e em vigor até hoje. A taxa de conversão foi de 4x10E29 pengő para 1 forint. Na verdade essa conversão era virtual já que todo o dinheiro em circulação da economia hungára em pengő não compraria nem 0,1 forint (lembrando que hoje 0,01 forint equivale hoje a R$ 0,0001). Os caras estavam literalmente fodidos e mal pagos.

Esse recorde nem o Mugabe consegue bater. O Mailson da Nobrega e a Zélia Cardoso de Mello então, são escoteiros crentes perto dos húngaros.

E pra quem falou que jogar dinheiro fora é loucura, olhar a imagem abaixo faz pensar em transformar o país todo em um hospício.

Já até pensei em um nome e slogan:

- Hospício Hungria: segurança e garantia!

Ou então:

- Hospício Hungria: se eu jogasse $$ fora, você me internaria?

domingo, 19 de junho de 2011

“Subiu a construção como se fosse máquina”

Primeiramente, me desculpo por outra referência ao Chico Buarque. Mas entenda, ele é para este blog o equivalente ao que a Glória Perez foi ao meu blog da Índia, salvo as devidas e imensuráveis proporções entre caráter pessoal e feitos profissionais de ambos. Assim como Glória e seu fiel retrato da vida cotidiana dos indianos, com uma estetização legítima da riqueza material daquele povo, diga-se de passagem, o Chico é a referência máxima brasileira a Budapeste. O seu livro, criativamente intitulado ‘’Budapeste’’, é praticamente uma estrela guia para os visitantes incautos por esta essa cidade.

Mas eu divago...

Voltando ao assunto que motiva este post, Budapeste parece um grande canteiro de obras. Verdade seja dita, a cidade está caindo aos pedaços. No entanto, esse ‘’que’’ de ruína urbana é um dos fatores essenciais ao charme da cidade. E, como ja á apontei antes, Budapeste é tipo uma Sofia Loren: velha sim, mas ainda cheia de ecantos.

Com a construção da linha 4 do metrô, a cidade esta uma zona. Mas as obras se extendem também por parques, igrejas, pontes, etc, tornando a locomoção nessas áreas um tanto quanto caótica. Isso sem falar nos desvios estéticos provocados pelas máquinas e entulhos espalhados pela cidade. Dá uma baita pena andar naquela avenidas históricas cobertas com tapumes e redes de proteção verde.

Como tudo na vida tem dois lados, a boa notícia é que a nova linha do metrô vai passar do lado de casa. A má é que vai demorar mais uns 4 anos para as obras terminarem e, até lá, Budapeste estará no meu passado. Pelo menos vai ficar pronto antes do Itaquerão...

‘’Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico’’

Desculpem, não resisto.


*update: meu karma ruim continua a me perseguir. Adivinha qual novela brasileira está passando na tv húngara??? Dica: não é Escrava Isaura. Sim, claro, Caminho das Índias!!! Arebaba, tô achando que no final das contas eu deveria ter largado de frescura ocidental e ter me purificado no Ganges...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

o húngaro de Guimarães Rosa

Eu sei que já fiz um post exclusivamente destinado a apontar a impossibilidade da língua húngara ser professada por qualquer estrangeiro dada a sua complexidade, estranheza e ininteligibilidade (rááá, agora quero ver algum húngaro falar essa última palavra! Doce vingança...)

No entanto, há pouco chegou a meu conhecimento um livro chamado Antologia do Conto Húngaro escrito por Paulo Rónai, falecido escritor nascido na Hungria e radicado no Brasil. O livro traz uma seleção de contos de escritores húngaros traduzidos para o português. Não tive a oportunidade de lê-lo até mesmo porquê creio que seja um tanto quanto difícil encontrá-lo por aqui em se tratando de um livro em português.

Mas o que chama a atenção desse livro é seu prefácio escrito pelo James Joyce tupiniquin, Guimarães Rosa. Inteligente pra dedéu, ele estudou um catatau de línguas.

Falava, segundo o próprio: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo. Lia sueco, holandês, latim e um pouco de grego. Entendia alguns dialetos alemães e tinha estudado a gramática do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês e do dinamarquês. É mole?

Bom, no supracitado prefácio, Guimarães Rosa se derrete em elogios ao idioma magiar. Vai aqui a transcrição. É grande e complicada, eu até pensei em encurtá-la, editá-la, mas cheguei à conclusão que seria uma falta de respeito, para dizer o mínimo, em se tratando de um texto tão fodásticamente articulado por um escritor tão fodásticamente foda:

“Disse já que o húngaro, por seu rico registro de vogais - que a caracterizam imediatamente - e da prevalência das claras sobre as surdas, dá-se como uma das línguas mais sonoras, musicais, em seu vozeio. Sonorosa, se bem que de ritmo fundamental muito enérgico, nela as seqüências de inflexões naturalmente modulam e fácil melodiam. De si concretizante, figurativa, imagista, encerra copiosa quantidade de onomatopéias. Sua gramática, parca, põe garra mais curta que a da emoção. Suas palavras nem sempre se fecham na racional fixidez conceitual explícita, na rigidez denotativa, antes guardam sob o significado uma ativa carga potencial, rudimentar, com o que, nos diversos momentos, inteiram-se mais variadamente de sentido, e, segundo as soluções rítmicas, se reembebem de um halo vivaz. Será, se dizer posso, uma língua menos ‘da lei’ que ‘da graça’; uma língua para homens muito objetivos, ou para poetas. Nem não é tudo. Também, e o quanto ninguém imagina, é uma língua in opere, fabulosamente em movimento, fabril, incoagulável, velozmente evolutiva, toda possibilidades, como se estivesse sempre em estado nascente, apta avante, revoltosa. Sem desfigurar-se, como um prestante e moderno mecanismo, todo tratável, ela aceita quaisquer aperfeiçoamentos estruturais e instrumentais, que, nas exaltadas arremetidas criadoras de uma experimentação contínua, os escritores lhe infligem, segundo as mais sutis ou volumosas intenções. Suas partes obedecem à arte. Deste ponto-de-vista, nenhuma outra haverá tão plástica e colaborante, sem inércia. Por sua própria natureza original, permite todas as caprichosas e ousadas manipulações da gênese inventiva individual. Praticamente ilimitada é a criação de neologismos, o verbum confingere. O intercambiar dos sufixos e das partículas verbais é universal: os radicais aí estão, à espera de um qualquer afixo, como os forames de um painel de mesa-telefônica, para os engates ad libitum. Possível, mesmo, é a engendra de sufixos novos, partindo de terminações singulares ou peregrinas de vocábulos. Vale é o valível. Imissões adúlteras não são ilegítimas. A seiva arcaica se redestila. Absorvem-se os ruralismos. Recapturam-se as esquivas florações da gíria. Entre si, as palavras armam um fecundo comércio. Molgável, moldável, digerente assim - e não me refiro em espécie só à língua literária - ,ela mesma se ultrapassa; como a arte deve ser, como é o espírito humano: faz e refaz suas formas. Sem cessar, dia a dia, cedendo à constante pressão da vida e da cultura, vai se desenrolando, se destorce, se enforja e forja, maleia-se, faz mó do monótono, vira dinâmica, vira agente, foge à esclerose torpe dos lugares comuns, escapa à viscosidade, à sonolência, à indigência; não se estatela. Seus escritores não deixam. Os felizes escritores húngaros usam e mais usam da tratabilidade daquele esquematismo opulento, de um aparelho de tanta liberdade. E não o praticam apenas nos casos de necessidade elementar, conforme o ‘Sunt novis rebus nova ponenda nomina’ ciceroniano. Nesse contínuo operatório, querem não menos as operações estéticas fantasistas. O que eles buscam, às inspirações, toda-a-vida, é a máxima expressividade, a mais ponta para penetrar a matéria; o jogo eficaz. São todos individualistas. Desde que o entenda, cada um pode e deseja criar sua ‘língua’ própria, seu vocabulário e sintaxe, seu ser escrito. Mais do que isso: cada escritor húngaro, na prática, quase que não pode deixar de ter essa língua própria, pessoal. O alcance disso é mágico. Com isso, está o espírito geral da gente, que ele invoca. E essa é tendência que não arrefece. Cada jornal, em Budapeste, é escrito em seu dialeto ‘da casa’, às vezes fora da linguagem culta corrente - diz Laczkó Géza; e ajunta: ‘Na vida de sociedade húngara não basta ter-se espírito; mas a forma lingüística do dito espirituoso tem também de ser espirituosa’. Será que - como se fosse ainda o guerreiro em movimento ou solitário pastor, nas estepes antigas do Pamir ou, depois, onde volga o Volga e dona o Don - em o versar de seu idioma o magiar ficou sempre nômade.”

Guima ainda dá uns exemplos de flexões com palavras húngaras, como o que se segue. Sente o drama:

megengedhetetlen: inadmissível. (minha palavra favorita em húngaro)
megengedhetetlenebb: mais inadmissível.
legmegengedhetetlenebb: o mais inadmissível.
legeslegmegengedhetetlenebb: o mais inadmissível de todos.
legeslegmegengedhetetlenebbekkel: com os mais inadmissíveis de todos.

E, finalmente, minha citação favorita dele em referência ao húngaro:

“(...) contam que Carlos V, que desde muito menino teve de estudar uma porção de idiomas, por quantas terras e povos em que reinar, costumava dizer que: o espanhol era para se falar com os reis, o italiano com a mulher amada, o francês com o amigo, o holandês com os serviçais, o alemão com os soldados, o latim com Deus, o húngaro... com o diabo.”

Nisso, ele parece concordar com o Chico Buarque. É um negócio de diabo pra cá, diabo pra lá, cheiro de enxofre nos banhos turcos que eu já to ficando com medo...

sábado, 21 de maio de 2011

burning man


A foto acima foi a vencedora do World Press Photo Contest 2011, o maior prêmio de fotografia de imprensa do mundo. A foto, tirada por Péter Lakatos, flagra o momento em que um homem, não obstante em atear fogo a si mesmo, ainda pula da ponte Szabadság (sóbódshag) para o rio Danúbio. Os motivos pelos quais o homem cometeu suicídio não são conhecidos.

Ah, sim, um detalhe: essa ponte fica na minha rua a uns 250 metros da porta do meu prédio. Das 7 pontes da cidade, não por acaso é a minha favorita. Abaixo, pode-se vê-la sem quando não há lunáticos suicidas praticando saltos ornamentais:

Moral da estória: meu apartmento é uma porcaria, mas fica num lugar lindão!